quarta-feira, 11 de abril de 2007

Luc Ferry: o amor é transcendente por emanar naturalmente do coração. É um fato.

Entrevista com Luc Ferry, "Viver no século 21, segundo Luc Ferry":
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1506795-EI6581,00.html

Eu me situo no oposto dessas duas estratégias. Penso que Nietzsche tem razão quando diz que não podemos mais inventar ídolos no sentido de ideais metafísicos que servem para dar sentido à vida. Sou bastante nietzschiano nisso. Ao mesmo tempo, a conclusão de Nietzsche é a de dizer que não há mais transcendência, que todos os valores transcendentes devem ser descartados. Eu colocaria uma terceira via, que tomo emprestada, em parte, da fenomenologia de Husserl, mas mais para trás na tradição kantiana, que é o que se chama de transcendência na imanência. O século 20 foi nietzschiano, no sentido de que quebramos todos os ídolos: a tonalidade na música, a figuração na pintura, a cronologia e os personagens nos romances, mas também todos os valores morais, religiosos, políticos explodiram sob o golpe da desconstrução. Foi um século de desconstrução. Os filósofos dos anos 60, Jacques Derrida, Michel Foucault, Gilles Deleuze, Pierre Bordieu são desconstrutores, pessoas que quebraram os ídolos da religião e da metafísica. Muito bem, eles tiveram razão, eles quebraram tudo isso. O problema é que hoje sob essa terra que foi devastada, esse céu esvaziado, pois os ídolos desapareceram, vemos aparecer transcendências que não são mais da mesma natureza dos ídolos da metafísica e da religião, dos ideais que Nietzsche quebrou com seu martelo. Porque são transcendências diretamente enraizadas na imanência ao mundo da vida. Para pegar um exemplo simples. Quando você ama verdadeiramente alguém - sua mulher, seus filhos, irmão, irmã, pouco importa - , você faz a experiência de uma transcendência, de algo que faz você sair de você mesmo. O outro se torna eventualmente mais importante do que você, no limite, se torna sagrado, não no sentido sagrado do termo, mas no sentido de que você poderia sacrificar sua vida por ele.
Quantos pais de família estão dispostos a sacrificar suas vidas por seus filhos? Quase todos. Não se pode mais falar de egoísmo nesse nível, porque há uma transcendência. Mas essa transcendência não está enraizada num ídolo metafísico, como aqueles que Nietzsche quebrou com seu martelo, mas diretamente na imanência no mundo vivido, algo factual, da ordem de um fato que se constata. Da mesma forma que constato que dois mais dois são quatro e não posso fazer nada, isso me transcende, não é uma questão de gosto. Assim como constato que a verdade, a justiça, a beleza e o amor me transcendem. Mas essas transcendências são vividas na imanência do coração humano. Elas não estão ao alcance do martelo de Nietzsche. Ele não tem razão contra as transcendências que me interessam hoje e que dão sentido às nossas vidas.
A transcendência do amor não pode ser negada. Ele é um fato. Emana naturalmente de nossos corações, assim como a verdade, a justiça e a beleza.

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